Há dias em que as palavras me cansam. Sinto-as nos bolsos como pedras, nas unhas como aves predadoras. Farto-me delas como dos presunçosos e aborrecidos.
Não as amo, não as venero. Como as mãos, estão aqui sobre os joelhos. Fazem parte deste corpo. Não penso nelas: são a voz dos meus dedos. Mas cansam-me, invisíveis na sua nomenclatura simbólica.
Prefiro o mar, esse que não tenho, tropical, morno, e água de coco na boca. Prefiro a companhia de uma mulher. Prefiro uma mota, uma máquina fotográfica e um papagaio de papel a subir numa rua de Luanda. Prefiro um uísque num pátio mexicano, um merengue, um samba ao cair da tarde. Prefiro dançar descalço na areia e sob palmeiras. Prefiro viver numa jangada nas correntes doces de um rio, esquecer-me, esquecer, aprender tudo de novo, e com arte: ser uma criança a correr no coração de um velho.
Tantas vezes que as palavras também me cansam, Eduardo. Tudo nos cansa em diferentes fases, momentos, minutos, segundos. A sorte é que, raramente, tudo nos cansa ao mesmo tempo. A sorte é que quando uma coisa nos cansa, outra nos estimula. A sorte é que isso que nos estimulou, acabando também por nos produzir cansaço, rapidamente terá alternativa.
Mas se tudo nos cansar ao mesmo tempo? Deus. No cansaço. Sem cansaço. Antes e depois do cansaço.
Penso sempre nas palavras do teólogo Peter Stilwell sobre Deus – os homens cansam-se, os homens aborrecem-se, porque os homens esquecem-se de Deus. Penso sempre nas suas homilias, sublimes, profundas – sinto sempre a conformidade das suas palavras com a prática – penso sempre no seu sorriso verdadeiramente feliz perante os gestos mais simples do mundo – e sempre tão nobres – de todo e qualquer ser humano, penso sempre na forma como cada gesto novo, ligado à amizade, à solidariedade, o comove, o entusiasma, o faz olhar para a vida sempre com sentido profundo, admirável. Penso sempre no seu interior, ao ouvir os cânticos tão sublimes que entoam na igreja pela voz bela de um ser de nome Duarte e de uma comunidade que o acompanha. Penso sempre no olhar penetrante do teólogo Peter Stilwell , um olhar que olha, contrariamente a uma sociedade que deixou de olhar – uma sociedade que desconhece ser no olhar que conhecemos o outro. Um olhar que olha nos olhos para conhecer, para perceber – sem nunca se cansar. Gosto de olhar fundo. Gosto de olhares fundos. Porque os olhares fundos falam do fundo. Se, porventura, hoje tudo me cansar, pensarei em Deus e nas palavras do teólogo Peter Stilwell que nunca me cansam, nos cânticos sublimes que me chamam.
Um abraço.
Maria Antonieta Preto
Tanto que precisamos de iluminação. Veja, caro Eduardo, como o seu sentimento do dia, suscitou o comentário que acabei de ler, como suscita o meu. Que outros suscitará? Quantos irão ler o seu blogue? Quantos farão silêncio ao lerem o seu blogue porque nada tem para dizer, porque desconhecem a iluminação?
O cansaço, o cansaço. O mar, a mota, o outro, o papagaio de papel. O uísque. Tudo bom. Tudo verdade. Tudo uma ilusão. E no meio de tudo essa maravilha que é Deus. E no meio de tudo nada, nada, porque… o que somos? O que não somos?
Joana P
Duas perspectivas de dois escritores, a sua Eduardo Bettencourt Pinto e a de Maria Antonieta Preto. À primeira vista, a sua parece mais terrena, a de Maria Antonieta Preto está dentro de algo muito fundo, a caminhar cada vez mais para essa profundidade, a desligar-se do mundo. Mas, pergunto, não haverá nos dois um olhar sublime, uma vontade sublime, uma vontade funda ainda que apresentando diferentes perspectivas a partir do cansaço das palavras? E não é bom que exista o sublime em duas perspectivas tão diferentes? Talvez não haja assim tanta fragmentação, talvez o espiritual tenha muito a dizer ao terreno, talvez o terreno seja ainda necessário para que o espiritual reforce mais essa espiritualidade. Talvez sejam um bloco. Abro este blogue e fico com vontade de seguir essa espiritualidade, abro este blogue e tenho vontade de mar… Obrigado aos dois escritores por esta reflexão. Afonso.