Recordando Marcolino Candeias

/Eduardo Bettencourt Pinto

Escrevo-te consciente de que o faço em tua memória. Não estás ao computador, em casa ou no teu gabinete da Biblioteca. Não estás na tua ilha, nem em lugar algum desta vida por que passaste, tão depressa como o vento. Por isso não poderás ler isto que te escrevo num escuro dia de Janeiro, sufocante como uma nuvem de cinzas, tão longe de Portugal, nesta pequena casa que habito, cheia de livros, pequenas recordações e três plantas que adoro como se fossem crianças.

Um homem por vezes torna-se tão sensível como uma gota de orvalho, e tudo o que nos rodeia e emociona ganha um valor e uma intensidade excepcionais. Sei que compreenderias isto. Trilhaste também este caminho na respiração do mundo, e o valor das coisas e da vida estava intrinsecamente ligado às palpitações do coração. Tinhas também uma casa, mulher e filhos, o sol e a chuva da ilha que foram a tua mãe, o mar de prata e azul-turquesa que trazias da rua para os teus poemas.

Não deixaste nas rochas que protegem a terra dos temporais a impressão das tuas mãos, ou dos teus pés, caminhante que foste. Não como no poema de António Machado, errante nas paixões por inóspitos caminhos, mas num itinerário marcado a traço preciso nessas deambulações que, de geração em geração, levam os ilhéus para as lágrimas de outros destinos.

Não deixaste estátuas nem troféus porque foste um poeta de incensos, luto e luta, de grandes espaços abertos nos céus, e, porque foste sobretudo uma ave que poisou nos mastros mais altos da navegação lírica, observando daí, com verbo preciso e grande rigor artístico, o amor e as complexidades da alma, a bondade e a tirania, e assim foste libertando palavras como quem atira flores para uma multidão carente de beleza.

Sei que escrevo para o grande silêncio da tua imensa ausência, de coração triste, grato, no entanto, pela tua amizade, verdadeiro poeta que foste, de palavras e emoções.

É isso o que eu deixo aqui, nesta vaga e imemorial tarde de Janeiro, nestas palavras. Tão vãs, eu sei, porque as não poderás ler.

Comovem-me, no entanto, porque são para ti, querido amigo, agora e sempre, na memória de ti e na frescura que encontro sempre quando releio os teus livros, preso ao fascínio do teu verbo e do teu talento.

Um abraço, Marcolino. Como num poema.

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